Recebi um livro de poemas
A minha querida aluna Fátima é daquelas pessoas extraordinárias que conseguem que o tempo tenha mais tempo.
Além da sua carreira universitária e de ser mãe atenta, colaboradora com iniciativas da terra que a viu nascer, tem ainda tempo para escrever poesia!
A Casa Descrita* é o seu segundo livro. Chegou-me há dias pelo correio com uma dedicatória enternecedora naquela sua caligrafa cheia de personalidade.
A sua poesia não é fácil, é necessário lê-la com calma, muitas vezes voltar a trás, refletir para depois avançar.
E não será o obrigar-nos a refletir um dos seus objetivos, nesta altura em que tudo é imediato?
Transcrevo aqui um dos poemas que mais gostei:
A classe
Aqui, onde não existem túmulos
Está a classe calada.
Efervescente
pensam e escrevem
contam
alguns falam como se fosse silêncio.
Todos são frágeis
no fundo claro que alcanço.
E até os que prevaricam
me espantam
eu sei porque também são frágeis.
Queria alcançar todos
um a um.
Seria como atingir
aquela criança
que joga
lá dentro e brinca consigo.
Mas sei que não posso
é o sistema.
A cabra toca e eu pálida
os vigio à sombra
nesta cadeira
em que trocamos olhares fugidios.
Um toca e foge
de raiva e fuga.
Pairam no ar folhas
canetas com que escrevem
e essa tinta que guardarei em mim.
E mesmo tudo
e sendo irrepetível e denso.
Teremos saudade?
Acho que sim
pois se somos apenas o que sobra
na cor parda deste exame.
*Castro, Fátima Velez de - A Casa Descrita, Ed. A Filantrópica, Coimbra 2016
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