Sexta-feira, 09.12.16

Maria Fontes... de Rabo de Peixe

Ontem tinha decidido que hoje de manhã iria de novo ao Blv. Saint Laurent por dois motivos, um encontrar de novo o mendigo leitor (que não encontrei) e ir comer uma sopa à Padaria Portuguesa, onde a sopa é mesmo portuguesa!

Aliás no 1/4 de mundo por onde costumo viajar nunca encontrei sopas como as nossas (talvez possa considerar uma excepção à que se come na Irlanda profunda)!

 

 

Na Padaria Portuguesa, onde o pão é apenas um dos componentes do negócio, só há quatro mesas, mas elas acomodam sempre quatro pessoas conheçam-se estas ou não.

Assim a minha sopa foi colocada numa mesa já ocupada por uma senhora de ar modesto, em comparação ás que nos rodeavam.

Como é evidente a conversa é inevitável: "nunca a vi por aqui", "pois, eu vim de Portugal passar aqui uma semana" "eu sou de Rabo de Peixe, da Ilha de S. Miguel, conhece?" "Sim, já lá fui uma vez e gostei, tem umas casas muito coloridas!" "Pois é!" E pareceu-me ficar contente por conhecer a terra que era a dela.

Que era desses sítios já eu tinha percebido pela prenuncia cerrada que me dificultou perceber a totalidade do que dizia.

 

Não sei se sabem onde é Rabo de Peixe. Rabo de Peixe fica no lado norte da Ilha de São Miguel estendendo-se por uma escarpa que mergulha no mar.

Quando eu ensinava Geografia e lia estatísticas, Rabo de Peixe era considerado o sítio mais pobre de Portugal, além disso tinha um problema que consanguinidade com todos os prejuízos para a genética...

 

A Maria Fontes veio de lá quase há 50 anos, tinha então 14 ou 15, já não se lembrava, não sabia ler nem escrever, a mãe tinha morrido o pai que já estava aqui mandou-lhes a "carta de chamada"...

Chegou a altura, casou-se e teve três filhos, o marido morreu de diabetes depois de lhe terem amputado as pernas. Entretanto algumas tentativas de trabalho frustrado já que várias vezes acordou no hospital, altura em que descobriram que era epiléptica. Vive com a filha solteira (35) presa a uma cadeira de rodas, a casada faz hemodiálise, o outro filho vive... As duas habitam numa casa do estado, com subsídios de subsistência...

"Então já é canadiana, não?" , pergunto eu. "Não nunca ma deram porque não sei ler nem escrever... mas sei falar francês!" " talvez quando fizer 60 anos!"

Entretanto acabei a minha sopa, já ela tinha acabado a sua, quando me lembrei de lhe oferecer um café... "e se comêssemos um bolinho?" acrescento também.

Manifestou o desejo de comer uma Bola de Berlim, vieram duas, enormes, recheadas de um creme delicioso que acompanharam a conversa que voltou aos tempos da Ilha, aos tempos em que só se comia quando se podia ir ao mar, à casa onde chovia como na rua... "Mas eu sei que agora as coisas em Portugal estão muito melhor" diz ela.

Da mesa ao lado levanta-se uma senhora que lhe dirige a palavra: "Maria, mas as Bolas de Berlim fazem muito mal à diabetes", "não, não fazem, os meus diabetes precisam de açúcar!" Fiquei assim a saber de mais este problema!

E como se poderá convencer alguém, que sempre viveu na ignorância da literacia, do contrário?

 

"Que Deus a proteja a si e aos seus e lhes dê muita saúde!" Diz-me ela quando me levanto.

 

Vidas difíceis, penso eu enquanto ponho o gorro e visto o casaco... nem para todos o Canadá foi um eldorado!

publicado por naterradosplatanos às 00:11 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Terça-feira, 24.07.12

E por aí… em Rabo de Peixe!

 

 

 

Só ouvi falar de Rabo de Peixe depois de ter unido o meu destino ao açoriano de que ontem falei.

 

Sempre ouvi dizer que Rabo de Peixe era o lugar mais pobre da Ilha. Lugar de pescadores de faina costeira vivendo na pobreza do que o peixe lhes dava…

Hoje felizmente os tempos mudaram e pelo que vi hoje, essa pobreza já não existe. De qualquer forma as gentes têm um ar desmazelado, pouco limpo, as ruas estão sujas: latas de refrigerantes, papeis de gelados, garrafas de água…

 

As ruas são estreitas e descem quase a pique para o mar.  Nelas o que mais me espantou, é que a maioria das casas está recuperada (provavelmente dinheiro da emigração) e o colorido das fachadas é tal que tem ar de desafio entre os moradores para ver qual tem a casa mais garrida!

Talvez esse garrido minimize as tristezas das gentes do mar que as habita.

 

 

Nota: Numa esquina de rua, encontrei uma loja de chineses e pus-me a pensar como aquele jovem casal se sentiria ali, nos longos, chuvosos e escuros invernos da ilha…

 

 

 

publicado por naterradosplatanos às 19:06 | link do post | comentar | ver comentários (2)

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